diário
documentamos os meses que passam com os momentos que os merecem
ler sobre: Como se pariu um carvalhal
Esteve-se em Londres tempo que baste. Bastou, enfim, e cá viemos bater a Cabeceiras de Basto. Nem sabíamos da terra, nem do seu nome. Um salto no escuro, portanto. Como dar aquela queca que, a bem ou a mal, lá nos conduz a andar, nove meses adiante, com um certo macaquinho às costas. É desde Julho do mítico ano de 2020 [imagine-se a tatuagem na anca de uma qualquer senhora avantajada: “CORONA MMXX”] que estamos cá, no Carvalhal. É isso mesmo! O nosso terreno tem nome e, como muitos outros carvalhais por este mundo fora, o nosso também tem outras coisas para além de carvalhos a dar com um pau. Quando chegámos, tudo era mágico. Só faltavam os faunos do jardim e as bruxas do pomar. Atenção, que ainda tudo tem o seu charme; o seu toque onírico, neste ou naquele momento, quando a luz passa assim ou assado pela neblina matinal, ou quando nos cumprimentam os arbustos do costume com as suas novas flores. No entanto, já não ficamos completamente obfuscados com toda e mais alguma coisa; extasiados, incapazes de fazer, com lógica, duas coisas conseguintes. Quando chegámos, deambulava-se todo o dia, curiosamente acampando nos sítios mais estranhos. Nem vinte mil mapas de cotas nem imagens do Google Earth alguma vez nos valeriam estes pequenos rodopios - docemente cortantes - pelas giestas, tojos, e codessos, que se haviam bem instalado no passar de trinta anos des-humanizantes. Foi como esperar que um pequeno nasça. Há todo o atafulho tecnológico, que nos faz mirar processo adentro - são as ecografias, os testes hormonais, as apalpações e tudo e tudo - mas nada substitui, como é óbvio, o ato esgazeado de vermos um bicho daqueles nascer e a comportar-se que nem um extra terrestre, digno de pedestal num qualquer museu em Novo México. Tínhamos mapas de floração, mapas de elevação, mapas de água, mapas bioclimáticos, índices ombrotérmicos, mapas geológicos, estudos da fauna e da flora da região… Encenámos a nossa aterragem, coreograficamente, como se faz em teatro barroco. Chegar ao Carvalhal, porém, foi uma outra arte; encontrar a casa de pedra - escondida no meio do mato - outra tanta missão. Essa é a realidade das coisas. Nada nos prepara para o momento, aquele que é sempre presente, em que tudo é, tudo acontece, e é sempre tão melhor. Mas ainda nos são valentes os mapas! Vamos lá ver. Com eles, pode viver-se, com uma profundidade acrescida, aquilo que vai acontecendo mais do que aquilo que é ou aquilo que está. Ainda que com o aparelhinho intuitivo sempre ligado, sabemos melhor quando esperar ou quando (e como) agir. Esperamos pelas borboletas amarelas de fevereiro; pelos os morcegos, pelas infinitas aranhas e pelas primeiras lagartixas e osgas primaveris; ou sabemos quando deixar que uma certa brisa orográfica desça sorrateiramente pela montanha, e que, a uma dada hora, numa certa altura quente ano, regue, condensando-se como se nada fosse, as mais rasteiras das plantas… No entanto, nem para fotografar a gente pára, quando (não tão raras) são as vezes em que o momento - aquele presente - é digno de pintura.
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Autores
Sara Rodrigues Categorias
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Histórico
July 2024
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